Missionários brasileiros trabalham com refugiados na África do Sul
Eles ajudam oriundos de Burundi, Maláui, Angola e Congo, entre outros.
Africanos fogem de guerras, secas e doenças e sonham com um futuro.
Natalia da Luz Especial para o G1, na Cidade do Cabo
Um grupo de missionários brasileiros atravessou o Oceano Atlântico e atualmente ajuda refugiados de diversos países que chegaram à África do Sul para fugir de guerras civis, secas, doenças e miséria.
Segundo estudos de 2005 da Cooperação Missionária Ibero-Americana, existem aproximadamente 80 agências brasileiras atuando em todo o mundo, com mais de três mil pessoas. A falta de recursos e as barreiras culturais e linguísticas são obstáculos para muita gente, mas não para eles.
“Sinto-me realizado. Quando trabalhei em Moçambique, as histórias me desafiavam e eu descobri que um pequeno esforço pode dar sentido às nossas vidas”, conta ao G1 Gessé Rios, de 47 anos, oito deles na Cidade do Cabo, África do Sul, ajudando refugiados de países como Burundi, Maláui, Angola e Congo.
O missionário Gessé Rios distribui comida entre refugiados. (Foto: Divulgação)
Ele é filiado à
Agência Presbiteriana de Missões Transculturais, organização que tem mais de 170 missionários espalhados pelo mundo. Junto com a mulher, Iolanda, e os três filhos (Gulherme, 20, Philipe, 18, e Leonardo, 16), representa a instituição na África do Sul, sendo responsável por mais de 30 refugiados em um projeto que inclui oficinas de música, informática, cerâmica, costura, cultos, além de aulas de inglês e distribuição de cestas básicas.
“O trabalho fica mais forte, e a família também”, diz Iolanda. Quando soube da possibilidade de trabalhar na África do Sul, não hesitou em partir. “Sentimos saudades, mas este é o nosso desafio”, fala em nome do resto da família que, no momento, está em temporada no Brasil.
Refugiados têm aula de música na Cidade do Cabo. (Foto: Divulgação)
Silvia Octaviano, de 46 anos, e filha Laura, de 14, são estreantes em missões do gênero. Sílvia conta que os seus conceitos sobre os refugiados mudaram radicalmente após a chegada à África. “Não apenas pelo trabalho diário, mas também pelos estudos em desenvolvimento comunitário. É preciso acreditar que há saída da "armadilha" da pobreza. A solução vem de dentro de cada um, do crescimento pessoal, do desenvolvimento de algumas habilidades.”
Silvia Octaviano e Laura entre refugiados. (Foto: Divulgação)
Esperança renovada
Pedro Vicente, de 27 anos, cresceu em meio às ruínas de Luanda, capital de Angola. Ele viu o país ser destruído pela guerra civil. Ainda criança, perdeu a visão de um olho em ambiente de guerra. Na adolescência, perdeu o outro por causa de um glaucoma.
Em busca de tratamento, veio para a África do Sul e se instalou em uma das townships (equivalentes às nossas favelas, porém com estrutura mais precária) da Cidade do Cabo. “Quando eles identificavam que o Pedro era deficiente, se aproveitavam da situação para roubá-lo”, lembra Gessé.
A vida do refugiado mudou quando ele conheceu os brasileiros. “Tem sido um trampolim para alcançar alguns dos meus sonhos. Vivendo como refugiado na África do Sul, ainda mais cego, seria praticamente impossível conquistar o que eu desejo. Tinha a sensação de estar afundando numa areia movediça, quando, de repente, fui resgatado”.
A história de Pedro rende um livro que já está sendo produzido. “Uma história de superação que, certamente, ajudará pessoas que passam por situações difíceis no Brasil e em qualquer lugar do mundo”, diz o missionário.
No mesmo clima de Pedro, Daniel Ernesto, de 22 anos, comemora a boa fase. “Hoje trabalho em uma gráfica. Estou mais feliz e com expectativas em relação ao futuro”, conta o angolano que chegou há quatro anos à África do Sul. Ele divide a casa com outros amigos lembrando que é a melhor alternativa para sobreviver. “A gente reparte os gastos e assim eu posso pensar em estudar engenharia”, completa.
Conterrâneo de Pedro e Daniel, outro jovem reconhece o trabalho dos missionários brasileiros com quem ele estuda informática, teclado e inglês. Valdemiro Ndiro tem 17 anos e está no colégio, mas já pensando na universidade. “Eu não tinha como estudar em Angola e por isso vim para cá. Depois da universidade, que é o meu objetivo, volto”, diz determinado.
Para se especializar em meio ambiente, Ephenis Nyimba, 31 anos, deixou o Maláui rumo ao país de Mandela. “A vida era muito difícil lá. Aqui também é, mas, pelo menos, posso pensar em estudar”. Ela ainda não tem previsão de quando será concretizado o sonho, mas renova a esperança. “Eu trabalho como empregada doméstica. Ainda não consegui estudar, mas vou!”, conta a refugiada, que faz aulas de informática com os brasileiros.
Ephenis Nyimba, do Maláui, que trabalha como doméstica na África do Sul e quer estudar. (Foto: Divulgação)
As histórias de vida desses refugiados são bem parecidas: pobreza, perdas, mas, principalmente, esperança. É por ela que os africanos substituem as dificuldades na terra natal por novos desafios. O primeiro deles, segundo Silvia, assim que pisam aqui, é reunir os documentos para conquistar direitos. “A África do Sul tem uma dificuldade tremenda em documentos. Cada um diz uma coisa”, conta a brasileira.
O segundo problema é a língua. “Eles até se comunicam, mas não conseguem escrever. Por isso, as aulas de inglês são tão importantes dentro do nosso projeto”. Ela destaca que a compreensão do idioma repercute em outros problemas. “Eles assinam coisas sem saber e muitas vezes trabalham na palavra, sem contrato."
O terceiro problema é a moradia. Na maioria das vezes, partem para as townships e vivem praticamente amontoados, sem qualquer estrutura, alimentando-se mal e sem medicamentos.
Os brasileiros tentam suprir essas carências. "Nós ajudamos todos e percebemos que, com o tempo e a convivência, criam-se laços que podem nos ajudar a mudar a maneira de pensar a vida", diz Silvia.